sexta-feira, 2 de julho de 2010

Resenha do artigo "A hesitação", do livro "A Gramática do Português Falado"

Resenha do artigo “A hesitação”

Em seu artigo no livro A Gramática do Português Falado vol.VII, Luiz Antônio Marcuschi propõe um estudo sobre a hesitação, defendendo a tese de que esse fenômeno da fala não é irrelevante como acontecimento lingüístico, nem pode ser descrito como apenas uma disfunção do falante, pois se se parte do pressuposto de que analisar a língua é também analisar os usos, então, para o autor, a hesitação é parte da competência comunicativa em contextos interativos de natureza oral.

Características
Após fazer uma explanação sobre os estudos de Blanche-Benveniste (1990), James (1972 e 1973), Taylor & Cameron (1987), o autor conclui que todos esses estudos compartilham a idéia geral de que a hesitação é um fenômeno sistemático na organização sintagmática, mas não faz parte da estrutura dessa organização (p.163). Ela constitui rupturas evidentes da fala em pontos não previstos por fatores sintáticos ou prosódicos, mas que também não são aleatórios.
A hesitação revela quais estratégias os falantes adotam para resolverem os problemas que surgem devido ao processamento de formas e conteúdos.
Assim, o autor postula como marcas empíricas das manifestações das hesitações os fenômenos prosódicos (que dividem-se em pausas, sendo que dentre elas, são prováveis hesitações aquelas com determinada duração e padrão entoacional, e alongamentos vocálicos, que acontecem principalmente em final de palavras), expressões hesitativas (se constituem de sons que não realizam palavras lexicalizadas, como ah, éh, ahn, quase sempre alongados e preenchendo pausas), itens funcionais (correspondem às chamadas palavras vazias: artigos, preposições conjunções, pronomes), itens lexicais (aparecem com característica hesitativa os verbos de uma ou duas sílabas e pouquíssimos advérbios, adjetivos e substantivos), marcadores conversacionais acumulados (são “marcadores que formam conjuntos que se acumulam em um certo momento e realizam-se com marcas prosódicas típicas”,como por exemplo: “(...)eu tava lá assim sabe...sei lá... meio cansado”(p.166) ) e os fragmentos lexicais ou morfológicos (que se confundem facilmente com as correções, sendo por isso, necessário uma observação assídua dos contextos em que ocorrem ¹).

Classificação
Considerando toda a exposição anterior, Marcuschi propõe a seguinte classificação das hesitações:
Pausas não preenchidas (PNP): correspondem a silêncios prolongados que se dão como rupturas em locais não previstos pela sintaxe e pelo fluxo da fala.
Pausas preenchidas (PP): são marcadores de hesitação do tipo “éh, mm, ah” e correspondem a alongamentos vocálicos com características hesitativas e marcadores conversacionais acumulados.
Gaguejamentos (GA): são repetições de unidades inferiores a um item lexical e pedaços de palavras iniciadas.
Repetições hesitativas (RH): julgadas não significativas, geralmente são repetições de itens formais.
Falsos inícios(FI): são todos os inícios de unidades sintáticas oracionais iniciados com algum problema, do ponto de vista do falante, que são refeitos ou retomados.

Frequência e distribuição das hesitações
Analisando 11 textos do projeto NURC, o autor observou 687 ocorrências efetivas de hesitações, sendo que 539(ou 41,2%) dentre esses itens são funcionais e apenas 151(11,7%) lexicais.
No estudo, chegou-se às seguintes conclusões:
• O marcador hesitativo por excelência da língua portuguesa falada é o eh ou éh, que aparece com o maior percentual em todos os textos e níveis de formalidade;
• A classe de palavras menos usada e menos presente em todos os gêneros de texto e graus de formalidade textual é o adjetivo que, em muitos casos, sequer ocorre;
• As hesitações são menos freqüentes do que outros fenômenos característicos da fala, tais como as repetições e os marcadores conversacionais;
• As palavras funcionais são as formas linguísticas mais freqüentes que constroem hesitações, sugerindo assim, que as hesitações são um indicador de planejamento sintático e cognitivo e não uma


estratégia de formulação textual;
Além disso, podemos observar no estudo que mais da metade das formas são constituídas por artigos, preposições, conjunções e pronomes, o que alude que esses elementos representam os momentos críticos na construção sintagmática.
Continuando o estudo, observou-se a distribuição das hesitações na estrutura frasal e foram postuladas como posições típicas de ocorrência das hesitações os seguimentos entre o sujeito e o verbo, entre o verbo e o complemento, entre o complemento e os adjuntos, entre um determinante e seus membros constituintes e entre uma oração e outra.
Uma observação geral é a de que a posição mais frequente da hesitação se acha sempre na construção de sintagmas. Por vir no início de estruturas, podemos dizer que a hesitação se relaciona com o planejamento lingüístico e como mostrou James (1972), ela é um orientador para a aferição da estrutura sintagmática da língua.
Quanto a relação entre as posições sintáticas e os tipos de hesitação, Marcuschi observou que as pausas não preenchidas situam-se no interior de um sintagma, no final de uma unidade ideacional ou na troca de turno, enquanto as preenchidas (PP) são freqüentes no encadeamento de elementos de uma listagem, na seqüência de orações e nas formações de séries em geral.
As repetições hesitativas, por sua vez, aparecem no início de sintagmas que formam o sujeito, na produção de predicados, na realização de complementos preposicionados, nos verbos de ligação e na seleção de artigos, pronomes e preposições e as FI são construções incompletas, geralmente não retomadas e soltas ou retomadas com outro rumo. Já as GA são pouco comuns e surgem com nomes, adjetivos e verbos dando a impressão de serem correções entoacionais.
As exposições trazidas no texto até agora mostram que não é usual que as hesitações rompam sintagmas, pois elas são atividades construtivas; são uma espécie de “titubeio” que sinalizam uma reorientação sintagmática, mas dificilmente uma ruptura ou abandono de sintagmas. Assim, do ponto de vista da orientação, as hesitações operam na prospectiva, ou seja, referem ou indiciam e sinalizam constituintes futuros.

Papéis da hesitação
A tese central defendida no artigo é a de que a hesitação, ao contrário da paráfrase e da correção, por exemplo, não tem função sistemática no plano da formulação textual, mas também não é uma simples disfunção da fala. Seu papel não é o de propor alternativas de formulação textual-discursiva, mas sim o de sugerir os sintomas de um processamento em curso.
Macklay/ Osgood (1959) observam que quando o falante tem pouco controle de seu turno, produz pausas silenciosas maiores, mas quando quer manter o turno as pausas silenciosas diminuem na quantidade e na duração, passando a inserir pausas preenchidas, pois o silêncio pode levar a perda de turno.A tese de Chafe(1985) é a de que o falante produz hesitações buscando o foco e essa tese corrobora com os resultados até aqui discutidos pois a partir daí, podemos explicar porque as hesitações ocorrem no início de produções discursivas: o falante hesita para decidir o quê falar ou porque está decidindo como falar, ou seja, as dificuldades situam-se nos primeiros passos e não nos finais.
Assim, pode-se observar o funcionamento da hesitação na perspectiva da formulação textual, pela qual, na sua condição de descontinuadora na ordem sintática, ela opera como indicadora ou sintoma de atividade de planejamento lingüístico e sugere intervenção na construção de estruturas sintagmáticas, e na perspectiva da interação e da discursividade, na qual ela seria observada em sua condição de continuadora no nível da enunciação, ou seja, das relações interpessoais dos interlocutores e na condução dos tópicos.
Por isso tudo, temos que a hesitação desempenha papéis formais (que indicam orientações ou reorientações de seleções sintagmáticas e atividades de busca e confirmações lexicais), papéis cognitivos (que dizem respeito a todos os fenômenos relacionados à compreensão, intenção e organização tópica) e papéis interacionais (considerando que todo diálogo é interação, esse principio se traduz em estratégias que organizam atividades formulativas e sinalizam manutenção ou finalização de turno, atenuação de afirmações e, às vezes, superioridade, segurança e tranqüilidade), sendo um fenômeno não totalmente aleatório nem vazio de significação.




Nota:

¹ para maiores esclarecimentos e problematizações, o autor propõe Crystal (1969).


Bibliografia:

MARCUSCHI, L. A. . A hesitação. In: Maria Helena de Moura Neves. (Org.). Gramática do Português Falado. Vol. VII: Novos Estudos. São Paulo e Campinas: Humanitas e EDUNICAMP, 1999, v. VII, p. 159-194.

Trabalho: Análise de sentenças escritas em conversas virtuais informais

Link para acessar o trabalho escrito:
https://docs.google.com/Doc?docid=0ARnZJ-5XV4UeZGNxdnFndnNfMTRkc3pja2JnYw&hl=pt_BR&authkey=CPfX3skO

Link para acessar a apresentação de slides:
https://docs.google.com/present/view?id=0ARnZJ-5XV4UeZGNxdnFndnNfMTBkNXE2cGtoNg&hl=pt_BR&authkey=CNfZrsYO


Discurso político e AD: história, conceitos e análises

Maingueneau fala que o 'destacamento' dos enunciados não é feito apenas pelas sentenças, mas também deve-se considerar que existem condições que permitem que os enunciados sejam "destacáveis".
A argumentação teórica do autor ainda discute as condições e os efeitos de enunciados destacáveis, remetendo à máxima heróica e fórmula filosófica.
Textos inteiros são cortados e é destacado e trabalhado apenas o que os meios querem mostrar: através da manipulaçãoo do discurso é possível construir ou destruir a imagem de alguém.
Se paramos para observar os discursos veiculados na mídia, observaremos como isso efetivamente acontece. De longas entrevistas que duram vários minutos ou até horas, os jornalistas manipulam a linguagem e fazendo o recorte onde é de seu interesse, com um objetivo comunicativo e de ascensão social específico.
Essa manipulação, contudo, não é utilizada apenas nos grandes meios, mas nas situações cotidianas.
Quantas pessoas não conhecemos que numa interação verbal, destacam apenas uma frase que a outra pessoa disse, repetindo-a várias vezes, construindo e passando uma imagem acerca do primeiro enunciador a um segundo enunciador, seja essa imagem construtiva ou destrutiva.

Artigos científicos

As anotações a seguir foram feitas sobre a palestra "Como escrever artigos científicos: estrutura e estratégias de linguagem", ministrada pelo Prof. Dr. Valtencir Zucolotto, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), no dia 22/06/2010.

O resumo(abstract) deve ter os seguintes pontos:
- Contextualização: falar sobre a grande área onde seu trabalho está inserido. Deve ter no máximo 3 sentenças.
- GAP: diz o que falta ser estudado, o que está em aberto, em controvérsia.Sempre vcomeça com conectores adversativos.
- Purpose(propósito): sempre começa citando e falando sobre o próprio trabalho. Utiliza expressões como: "nesse trabalho,(...)"
- Metodologia: deve-se falar sobre os métodos empregados
- Results: falar sobre os resultados
- Conclusions: Nas conclusões, fala-se como os resultados e esse artigo é importante para a grande área.

Na introdução do trabalho, devemos responder as seguintes perguntas:
Qual a importância dessa questão?
O que eu sabia antes desse trabalho?
O que eu posso retirar daqui?
Qual é o meu propósito?

Sendo que no último parágrafo, devemos falar sobre o que fizemos neste artigo. Além disso, na introdução parte-se do mais geral para chegar ao mais específico, conforme podemos perceber pelas perguntas propostas.

A próxima fase da construção de um artigo é mostrar os materiais e métodos, ou seja, deve-se apresentar o corpus e fazer a análise.
Em seguida, temos os resultados e a discussão do que se foi obtido. Sendo a parte mais complicada e menos flexível, é indicado começar por ela porque precisa estar intimamente ligada à introdução e ao propósito.
São pontos fundamentais na parte de resultados e conclusões :
1) Background information;
2) Statement;
3) Reportar os resultados que não foram esperados ( se houver);
4) Referências às pesquisas prévias e comparação com outros trabalhos da grande área;
5) Dedução de hipóteses.

A última fase no processo de construção do texto é a conclusão. Em contraste com a introdução, a conclusão vai da parte mais específica para a parte geral. Primeiramente, deve-se falar sobre as descobertas chaves do artigo. Na sequencia, faz-se a interpretação dos principais resultados e finalmente, descreve-se sobre a contribuição para o campo de estudo.


Estilo científico

1)Tempos verbais
-Passado: é mais adequado para a introdução e por vezes, para os resultados.
-Presente: é mais adequado para a conclusão. O presente também aparece para coisas atemporais. Além disso, o presente dá maior comprometimento enquanto o passado proporciona um distanciamento.

2) Pessoas verbais
- Primeira pessoa: deve aparecer em alguns lugares, pois além de dar ênfase, deixa o texto mais elegante.
- Terceira pessoa: dá mais formalização, no entanto, há maior distanciamento.

3) Voz
- voz ativa: informações mais diretas.
- voz passiva: mais indireta. O uso excessivo de voz passiva pode deixar a leitura truncada.

4) Concisão: é fundamental na escrita científica.

5) É fundamental evitar o plágio.

6) É preciso enfatizar os detalhes: devemos fazer a escolha certa das palavras, fazer uso de esquemas ilustrativos, observar o posicionamento das palavras e usar a repetição na hora e na medida certa.

7) Problemas a serem evitados:
- o popular ato de "encher linguiça", colocando coisas desnecessárias;
- empilhamento de adjetivos;
- sentenças muito longas: o ideal é usar parágrafos longos e frases curtas.
- evitar sentenças ambíguas.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Especificações de Mattoso

Fases de Mattoso Câmara:

  • Fase da teoria linguística
  • descrição do Português
  • Estudos estilísticos
  • Fase da história das ideias linguísticas
  • Divulgação científica *
Mais especificamente na fase da história das ideias linguísticas, Mattoso investigou a trajetória da linguística, principalmente na europa e nos EUA.
O linguista brasileiro verificou a influência dos estudos descritivos e pragmáticos na linguística americana, diferentemente das influências que constituiram a base da linguística europeia e analisou em que medida a linguística brasileiro lidou e incorporou essas tendências.

Enquanto as quatro primeiras fases que citei são amplamente discutidas em livros sobre Mattoso Câmara, o Prof.º Dr.º Roberto Baronas acredita que existe uma quinta fase nos estudos de Mattoso Câmara.
A fase da divulgação científica seria uma 5ª linha de pesquisa, na qual a preocupação com a divulgação científica de resenhas de artigos de linguistas estrangeiros e a produção de textos que objetivavam auxiliar professores de língua portuguesa contribuiram de forma ímpar para o estudo do português do Brasil e consequentemente, deram sua contribuição à linguística do nosso país.





*fase proposta por Baronas

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Questões sobre o texto “Considerações sobre o gênero em português”

1) Explique a seguinte afirmação de Mattoso Câmara Júnior: “O gênero (…) não coincide necessariamente com a diretriz semântica do sexo, é perturbador e contraproducente tomar essa diretriz como ponto de partida para a descrição da categoria substantiva do gênero” (pág.149).

Ao proferir esse enunciado, Mattoso atentou para a errônea analogia entre gênero lingüístico e sexo dos seres, observando que o critério semântico do sexo só é “teoricamente aplicável” quando os substantivos referem-se a indivíduos do reino animal, sendo que essa aplicação além de não ser completamente coerente, é aplicável a poucos casos da língua.
Para diferenciar o sexo, a língua oferece processos lexicais como a heteronímia (ex.: bode/cabra), a derivação lexical (ex.: poeta/poetiza) ou a dos termos macho-fêmea na designação de animais ( ex.: girafa macho/ girafa fêmea). Concluindo, podemos dizer que todos os substantivos possuem gênero, mas nem todos são dotados de conotação quanto ao sexo.


2) Para Mattoso Câmara Júnior o que é gênero feminino? Dê exemplos que fundamentem sua resposta.

Para Mattoso, o feminino é um processo de “particularização significativa”, que não necessariamente implica ou se limita aos indivíduos de sexo feminino do reino animal. Além disso, Mattoso vê o feminino como uma forma marcada, pela qual acrescenta-se a desinência /a/, em relação de oposição à forma não marcada, que é o masculino.
Exemplificando, temos os nomes caneta e lápis: o substantivo caneta não implica sexo feminino e pertence ao gênero feminino por ter a desinência –a, enquanto lápis possui o morfema zero.
Assim, o feminino é tido como uma particularização mórfico-semântica do masculino.


3) Mattoso Câmara Júnior assevera que “não é a flexão do substantivo, em princípio, a marca básica do seu gênero”. Explique e exemplifique essa afirmação do lingüista brasileiro.

Para construir seu argumento, Mattoso expõe a questão dos substantivos de gênero único, que por não terem marcas morfológicas, podem ter gêneros diferentes conforme a mudança do contexto. Isso fica claro em:
I. Ele é o artista de rua que nós vimos ontem.
II. Ela é a artista de rua que nós vimos ontem.
Nesses exemplos, a palavra artista possui gênero único e se refere ao masculino na primeira sentença e ao feminino na segunda. Para Mattoso, dependente ou independente do contexto, toda palavra tem um gênero, que pode ser ou não marcado pela flexão, pois o que realmente determina o gênero é a presença (concreta ou potencial) do artigo, que define o gênero do nome que está modificando. Logo, para ele a flexão, quando aparece, é um aspecto redundante na marcação do gênero.


4) No entendimento de Mattoso, quais são os dois aspectos básicos para se levar em conta um tratamento morfológico do gênero?

Os dois aspectos são a indicação do gênero que é primordialmente feita pelo artigo e “casualmente” feita pela flexão em um substantivo e o processo morfológico de flexão, que consiste na adição da desinência –a (com mudanças morfofonêmicas) em oposição à forma masculina, que é não marcada( conforme o conceito de morfema zero de Mattoso Câmara).


5) Para Mattoso, o que é importante na descrição gramatical do gênero?
O que é importante na descrição gramatical do gênero, para Mattoso Câmara, é o princípio da flexão do artigo e o mecanismo flexional pelo qual se expressa a categoria do gênero em português.





* Referência sobre o texto “Considerações sobre o gênero em português” : Texto transcrito de Estudos Linguísticos (Revista Brasileira de Linguística Teórica Aplicada), São Paulo, Centro de Linguística Aplicada do Instituto de Idiomas Yázigi, 1(2): 1-9, dez.1966. Mattoso Câmara era o diretor principal desta Revista.

Erros escolares como tendências linguísticas no Português Brasileiro do Rio de Janeiro - Mattoso Câmara *

Resenha
O autor analisa os ditados e descrições do Exame de Admissão executados por 62 crianças no Rio de Janeiro, a fim de destacar os erros mais frequentes e constantemente repetidos, como índice de tendências linguísticas da língua coloquial culta, que nessas crianças está sedimentada como linguagem "transmitida" (Bally) no meio familiar.
O colégio a qual essas crianças estudavam excluía crianças de classes humildes, pois estava localizado em uma área nobre do Rio.
O resultado do estudo veio corroborar conclusões de ordem fonética, morfológica e sintática a que se tem chegado em referência à língua coloquial culta do Rio de Janeiro.
Mattoso afirma que o resultado de sua pesquisa é um resultado naturalmente parcial e que não abarca todos os aspectos que conviria apreciar mas certamente o resultado da pesquisa foi importante para confirmar a maneira como funcionava o português brasileiro no Rio de Janeiro na década de 1960.
É importante citar ainda que as crianças já haviam sofrido o impacto da linguagem literária, mas em regra o conflito entre as duas linguagens provoca soluções de compromisso, que são bastante significativas para a dedução das tendências por depreender.

Algumas observações fonéticas relatadas por Mattoso:
- Debilidade do acento tônico quando o vocábulo se acha no interior de um grupo de força;
- Tendência a nasalar a sílaba simples -i, provavelmente pela analogia dos vocábulos compostos com o prefixo -in;
- Redução sistemática do -en inicial a -in;
- Anulação da oposição entre o ditongo [ou] e [o] fechado;
- Tendência à vocalização do [l] velar posvocálico, que passa à semivogal [u].

Na morfologia:
- O artificialismo das contrações pronominais do tipo mo(pronome dativo da 1ª, 2ª ou 3ª pessoa com pronome acusativo da terceira o, a os, as).

Observações sintáticas:
- A tendência à próclise, exceto a partícula -se, em função apassivante, que é sentida como um índice da impessoalização do verbo em forma de sufixo. Ex: Vende-se carro;
- Tendência a subordinar ao verbo o sujeito posposto, desaparecendo a concordância do verbo com esse sujeito, o que resulta, em última análise, numa impessoalização;
- Emprego de que como conectivo geral.
- Tendência em transformar em complemento circunstancial um sujeito que designa lugar, de sorte que o verbo se impessoaliza.

* Câmara Jr., J.M. Erros escolares como sintomas de tendências lingüísticas no português do Rio de Janeiro. In: Uchôa, C. E. F.(Org). Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Nova edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. p.87-95. Edição original: 1957.